Aquilino Ribeiro
[Carregal, Sernancelhe, 1885 - Lisboa, 1963]
Mestre Aquilino é considerado o maior prosador português do século XX e uma das mais características personalidades da literatura portuguesa de todos os tempos. Na sua extensa obra, de grande riqueza e variedade, a escrita muito própria, densa e precisa, processa um autêntico renascimento da lírica e da literatura portuguesas, conseguindo simultaneamente a sua renovação e o volver às origens (a técnica severa dos clássicos e o léxico e cenas populares). Estilizado, o léxico do povo: do mais autêntico vernáculo serrano à gíria da cidade, sem «malbaratar louçanias, vidrilhos ou esmaltes de estilo».
Não cedendo a correntes literárias sempre fugazes, ou a fáceis apadrinhamentos políticos, antes luta continuadamente, como artesão da palavra, pela liberdade, rebelde à sem-razão da senha obscurantista, porque, para ele, «ser livre é a condição indispensável para que o escritor se realize, i. e., solte as velas todas da sua personalidade». Fecundo, apaixonado, forte e impetuoso, a sua exaltação e dinamismo revolucionários levam-no a ter uma multiplicidade de interesses, e a sua obra (69 livros publicados em vida, para além de um surpreendente espólio ainda inédito) abrange a ficção, o jornalismo, a crónica, as memórias, o ensaio, estudos de etnologia e história (demonstrando algumas das «falsificações» aceites e promovidas), biografias, crítica literária, teatro, literatura infantil, polémicas e traduções-recriações do latim, grego, espanhol, francês e italiano.
A sua vida, como a de muitas das personagens que animou, foi movimentada e aventurosa. Tendo estudado no Liceu de Lamego (depois da escola de Soutosa), parte para Viseu, onde se inicia na filosofia. A pedido de sua mãe, D. Mariana do Rosário Gomes, entra para o Seminário de Beja, fazendo apenas o 1º. e parte do 2º. ano de Teologia, pois não lhe é reconhecida vocação religiosa. Em 1906 começa, em Lisboa, a sua longa carreira de jornalista, com artigos (e princípio de um romance em folhetins – «A Filha do Jardineiro») na Vanguarda. Escreveu ainda para o Jornal do Comércio e O Século (tendo sido, mais tarde, correspondente deste jornal em Paris), foi redactor do diário A Pátria, colaborou na Ilustração Portuguesa, no Diário de Lisboa, na República e em muita outra imprensa diária. Para além de ser um dos fundadores da Seara Nova (1921), onde também colaborou, escreveu em revistas como Homens Livres e Lusitânia. Foi, com outros intelectuais seus amigos, à frente dos quais Raul Proença, um dos animadores da publicação do Guia de Portugal (1919).
Em 1907 é acusado de «bombista» (guardara explosivos que deflagraram no seu quarto) e detido por fazer parte do Partido Republicano. (Correu depois uma espécie de lenda segundo a qual A. R. teria sido, em 1908, a «terceira carabina», aliás inútil, já que os dois regicidas tinham desempenhado a sua função...) Evade-se da prisão e refugia-se em Paris, após ter vivido escondido em Lisboa. Vem a Portugal, de visita, em 1910, depois de proclamada a República. Na Sorbonne frequenta cursos de Filosofia e Sociologia. Conhece Grete Teidemann, com quem vai residir e casar na Alemanha. O seu primeiro filho nasce em Paris. Regressa a Portugal em 1914, depois de eclodir a Primeira Guerra Mundial.
Nunca descurando o seu trabalho de escritor, exerce na Biblioteca Nacional de Lisboa a função de segundo-bibliotecário e, depois, de conservador, cargo de que é demitido em 1927, aquando da segunda perseguição policial. Desta feita unira-se à revolta contra a ditadura militar que entroviscava a Nação. Foge para a Beira Alta e, em seguida, de novo para Paris – segundo exílio. Quando, clandestinamente, regressa a Portugal, esconde-se em Soutosa. Morre-lhe a esposa. No ano seguinte reincide, envolvendo-se noutra conjura contra o Governo. É encarcerado no presídio militar de Fontelo, em Viseu. Com António Mota, consegue evadir-se serrando as grades da prisão enquanto, numa grafonola, sacolejava, altissonante, um disco... Esconde-se em plena serra e foge para Paris – terceiro exílio. Casa com D. Jerónima Dantas Machado, filha do presidente Bernardino Machado, também homiziado na capital francesa. Vão residir para o Sul de França (Ustaritz e Baiona – onde, em 1930, lhe nasce o segundo filho). Entretanto, em Lisboa, condenam-no à revelia. Vive depois em Vigo e em Tui até entrar semiclandestinamente em Abravezes (Viseu). Amnistiado em 1932, vai viver para Cruz Quebrada.
Em 1933, a sua novela As Três Mulheres de Sansão ganha o Prémio Ricardo Malheiros. Sócio-correspondente da Academia Real das Ciências em 1935, só vinte e três anos mais tarde o elegem sócio efectivo. O Brasil presta-lhe homenagem e condecora-o em 1952. Apesar das forças políticas contrárias, é um dos mais entusiastas fundadores, o primeiro presidente eleito e o sócio nº. 1 da Sociedade Portuguesa de Escritores (1956). No ano seguinte, a Livraria Bertrand inicia a edição das Obras Completas de A. R., que se tinham agigantado em quarenta e quatro anos de profissão literária. Publicado em 1959, o incómodo romance Quando os Lobos Uivam é apreendido e o seu autor processado. Uma amnistia abrange este processo no ano seguinte, ano em que a intelectualidade portuguesa candidata A. R. ao Prémio Nobel de Literatura. A Sociedade Portuguesa de Escritores festeja o cinquentenário da publicação de Jardim das Tormentas quando A. R. adoece repentinamente, vindo a falecer no Hospital da C. U. F. a 27 de Maio de 1963.
Da sua vida como da sua prosa túrgida emergem a força e a sageza de uma certa rusticidade panteísta (muito mais universal que «regional») que não resiste à tentação dos grandes meios urbanos; a manha, imobilidade e hedonismo do pícaro e a sua paixão pela liberdade; a surda raiva humana que suscitam as injustiças de qualquer cacique; a ironia camuflando a lucidez da denúncia; o gosto do trabalho árduo e diversificado («Alcança quem não cansa», reza o ex-líbris do escritor).
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994