António Patrício
[Porto, 1878 - Macau, 1930]
Filho da burguesia média da capital do Norte, frequentou a Escola Naval em Lisboa, formando-se depois em Medicina no Porto. Com o advento da República foi nomeado cônsul de Portugal na Corunha e teve oportunidade de impedir o embarque de armas para os revoltosos monárquicos de Chaves. Ao longo da sua carreira diplomática prestou serviço como cônsul em Cantão, Manaus, Bremen, Atenas, Istambul. Mais tarde ministro em Caracas (Venezuela), ia tomar posse de idêntico cargo em Pequim quando morreu durante a viagem, em Macau.
Poeta próximo do simbolismo, contista extremamente original, dramaturgo ligado aos grandes mitos da história pátria e ao movimento saudosista, António Patrício foi sem dúvida um dos escritores mais importantes do primeiro quartel do século, hipersensível mas esteticamente dominado, superiormente artista, criador de mundos e personagens que oscilam entre uma ansiosa sensualidade e um intenso espiritualismo.
Desde a sua primeira peça de teatro (O Fim, 1909), Patrício atinge um ponto muito alto de expressão dramática, mesclando os temas de decadência e da redenção sebástica, numa visão agónica do Paço Real, com uma rainha louca em corte de fantasmas e um mensageiro do heroísmo popular anunciando o holocausto da raça. São os ecos do Ultimatum britânico o o anúncio da República próxima.
Em Pedro, o Cru (a crueldade e o amor louco, exasperado, do Justiceiro, a noite incendiada da longa procissão que vai coroar a Rainha Morta), em Dinis e Isabel (amor terreno e amor divino, infinita misericórdia e paixão da Rainha Santa), cruzam-se as influências nietzschianas, o espírito messiânico, o fascínio que a Idade Média exerce sobre Patrício.
Mas é em D. João e a Máscara que António Patrício concretiza plenamente todas as virtualidades do seu talento de dramaturgo. A insaciedade erótica do Burlador de Sevilha surge aqui, em atmosfera outonal de bruma e jardins silentes, atenuada pelo cansaço da carne, por uma nostalgia de mais além, de mais alma, de mais vida, que vai defrontar-se com a Morte, a máscara. Num imenso desejo de absoluto, de fusão com a totalidade das coisas, com o ser universal.
Noutros dois textos teatrais de António Patrício, incompletos e ainda inéditos, ambos belíssimos, Afonso Domingues e Rei de Sempre, Tragédia Nossa, palpitam as mesmas obsessões, os mesmos sonhos, o mesmo mito dos sacrífícios iniciáticos e salvadores.
No livro de ficção Serão Inquieto (1910), que é uma obra-prima do conto moderno, também a morte desempenha um papel fundamental, suave e patética morte do Precoce, o irmão sempre recordado; agonia da meiga e irónica Suze, a frágil prostituta que se ri da cidade burguesa, dos galanteadores e dos pacóvios argentários que a compraram sem a macular.
Os mesmos exorcismos, as mesmas fontes lustrais, as mesmas atmosferas mágicas que nos surgem em Serão Inquieto atravessam os poemas do António Patrício, onde a exaltação vital se equilibra com o gosto da evocação e onde perpassam sempre as névoas da saudade, onde a volúpia se torna oração à existência. São vincadamente impressionistas, o fraccionamnto da frase e as imagens na poesia de António Patrício. Aliteraçõos, rimas interiores, assonâncias concorrem para a orqueatração musical de poemas onde a animização da Natureza, a presença constante do mar, o gosto pelos matizes indefinidos, criam o clima simbolista. Aliás, os versos ímpares, de nove e onze sílabas, de recorte verlainiano aparecem com frequência nas suas estrofes, bem como o alexandrino de cesura livre.
António Patricio deixou ainda incompleto um romance intitulado Teodora, Imperatriz de Bizâncio.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994