Mário Saa
[Caldas da Rainha, 1893 - Ervedal/Avis, 1971]
Poeta e investigador, Mário Pais da Cunha e Sá, entre 1907 e 1909 frequentou o Colégio de S. Fiel (Louriçal, Castelo Branco), altura em que coligiu os primeiros cadernos de manuscritos poéticos. Anos depois, ingressaria em sucessivos estabelecimentos universitários de feição científica (entre os quais o Instituto Superior Técnico), sem, no entanto, ao que parece, ter concluído nenhum dos respectivos cursos.
Estreou-se literariamente em 1915 com a publicação, no Jornal da Mulher (Lisboa) e em A Plebe (Portalegre), de dois poemas que, como será natural, ainda ficam distantes do seu melhor estilo. Em 1917, já com o nome literário que definitivamente adoptaria – Mário Saa – deu a público o primeiro livro, Evangelho de S. Vito obra de carácter aforístico, onde não deixa de ser notória a influência das obras de Nietzsche, algumas das quais intensamente anotou.
Dividindo o seu tempo entre a atmosfera agitada do meio intelectual lisboeta e a pacatez da actividade rural em Avis (na Herdade de Pêro Viegas, de que era proprietário), publicou em 1921, em A Revista, o poema «Ó, caprice!», que se pode considerar um momento de decisiva inflexão na sua obra poética: a que vai do neo-romântismo esteticamente ingénuo da primeira fase até à maturidade de uma expressão modernizante que se patenteia bem nas colaborações prestadas ao Cancioneiro do I Salão dos Independentes ou em revistas como Contemporânea, Athena, Arte Peninsular, Presença e Momento – colaborações que se estendem, embora com textos não poéticos, a Sudoeste e à Revista da Solução Editora (publicação de que Mário Saa foi, aliás, um dos principais impulsionadores). Já na fase final da sua vida, serão também de relevar os poemas e desenhos que publicou na revista Tempo Presente.
Tendo convivido com personalidades tão diferenciadas como, entre muitas outras, Fernando Pessoa, José Régio, Raul Leal, António Botto, Augusto Ferreira-Gomes, João Gaspar Simões, Luís de Montalvor, Carlos Queirós e Almada Negreiros, nele se cruzam, em elaboração muito pessoal, linhas estéticas situadas na imaginária confluência do que foi produzido ou explorado pela geração de Orpheu com o que foi formulado e divulgado pelo grupo, bem mais vasto e heterogéneo, que se formou em torno da Presença – revista onde, por sinal, o poeta manteve mais insistente colaboração (uma dezena de poemas, alguns textos de reflexão aforística e a ficção, notável, «O José Rotativo - fragmento do meio»).
Nessa diversidade de trânsitos expressivos afirma-se uma criatividade que, embora de vincado recorte modernista, não enjeita as raízes da tradição e até um certo gosto da sugestão arcaizante. Criatividade que, no plano da poesia fica paralela a uma prática textual onde se afirmam os dois de uma rara ductilidade versificatória; da fuga ao discurso de sentido único; de certo pendor corrosivo e mesmo iconoclasta; de grande concisão de meios («Não escrevas versos num livro, mas um livro em cada verso», diz ele num dos seus manuscritos); e de um onirismo imagético que, em não raros momentos, se aproxima do que viria a ser largamente praticado pelo surrealismo. Tudo isto pode ser observado não em qualquer livro da sua autoria – visto que Mário Saa lamentavelmente, nunca encontrou oportunidade ou disposição para coligir em volume as suas composições poéticas –, mas em textos avulsamente publicados, alguns dos quais com merecida ressonância, como os «Poemas da razão matemática» (sequência que inclui «Versos frios» e «Xácara do infinito») ou a «Xácara das mulheres amadas», que João Villaret incluía nos seus memoráveis recitais.
A sua intervenção cultural desdobra-se em sistematizações de cariz especulativo ou em investigações que, integrando por vezes os domínios da astrologia e da genealogia, sobretudo incidem na pesquisa literária, na geografia e história antigas, e na incursão, aliás pouco convincente, por um sociologismo de pretensa fundamentação rácica, na arqueologia e na biografia camoniana.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994