Jaime Cortesão
[Ança, Cantanhede, 1884 - Lisboa, 1960]
Notável vulto da nossa cultura, político, historiador, poeta – que Fernando Pessoa, em carta particular, considerou «o primeiro dos poetas da novíssima geração» –, Jaime Cortesão licenciou-se em Medicina em 1909, com uma tese de licenciatura sobre o tema Arte e Medicina.
Ainda estudante, em 1907, funda a revista Nova Silva com Leonardo Coimbra, Cláudio Basto e Álvaro Pinto. A partir de 1910 participa com Teixeira de Pascoaes no movimento iniciado com a revista A Águia, ampliado mais tarde, em 1911-1912, com as reuniões, em Coimbra, de um grupo de intelectuais que lança as bases do movimento «Renascença Portuguesa» e do qual Jaime Cortesão também fez parte, dirigindo o seu boletim A Vida Portuguesa, Porto, 1912 e seguintes. Viria ainda a ser um dos fundadores da revista Seara Nova (1921).
Foi professor, no Porto, entre 1911 e 1917, tendo participado na Primeira Guerra Mundial (Flandres) como capitão-médico voluntário. Deste tempo passado em combate legou-nos as Memórias da Grande Guerra. De 1919 a 1927 foi director da Biblioteca Nacional, tendo-se, nesto último ano, exilado para o estrangeiro (Espanha, França, Bélgica, Ingtaterra).
A partir de 1940 foi viver para o Brasil, aí continuando os seus notáveis trabalhos históricos, a que dera início por volta de 1922. No Brasil, onde teve a seu cargo, no Rio, logo após a chegada, a regência de cursos universitários sobre a história dos Descobrimentos, foi também encarregado, entre outras tarefas, de organizar, em 1944, um curso de história da cartografia do Brasil, destinado a diplomatas. Em 1952, foi da sua responsabilidade a organização da Exposição Histórica de São Paulo, por altura da celebração do quarto centenário da fundação daquela cidade.
Em 1957 regressa definitivamente a Portugal, pouco depois de lhe ter sido concedido o título de «cidadão benemérito» de São de Paulo, em homenagem ao seu trabalho para a Exposição Histórica. Em 1958, com 74 anos, é preso no Forte de Caxias, juntamente com António Sérgio, Vieira de Almeida e Azevedo Gomes, tendo sido solto depois de uma forte campanha de indignação e protesto por parte da imprensa brasileira.
Assumindo naturalmente o estatuto de mentor intelectual e moral da oposição portuguesa, é-lhe proposto candidatar-se à Presidência da República, honra que declina. Dedicando-se de novo, com empenho e quase voracidade, aos seus trabalhos históricos, vem a falecer em 14 de Agosto de 1960, com 76 anos.
Hoje mais conhecido pelos seus trabalhos históricos, Jaime Cortesão começou, no campo da literatura, por ser poeta – um poeta injustamente pouco conhecido. «A vida tumultuosa de Jaime Cortesão», observou, com justiça, David Mourão-Ferreira, «a sua ausência de Portugal durante mais de quarto de século, a esplendorosa afirmação da sua personalidade em tantos outros sectores – particularmente na historiografia, no ensaísmo, na acção política –, conjugaram-se também para o momentâneo eclipse que a sua obra de poeta tem sofrido.»
O seu primeiro livro, A Morte da Águia (1910), revelava desde logo, como penetrantemente notou Fernando Pessoa, «um elemento heróico». «Mas o poeta de A Morte da Águia [...]», observará ainda Mourão-Ferreira, um dos mais inteligentes e subtis estudiosos da poesia de Jaime Cortesão, «não é apenas um épico. Na sua personalidade existem igualmente um poeta lírico e um poeta dramático.»
Sobre a eminência do historiador, cuja atenção se focou sobre um leque muito vasto de temas, os depoimentos não faltam, vindos dos mais variados sectores. Vitorino Nemésio, por exemplo, dizia dele: «Dos poucos que verdadeiramente contam na história da vida espiritual portuguesa, Jaime Cortesão é um dos mais genuinamente ilustres, e decerto o maior historiador. O seu primado, nesse campo, ergue-se mesmo acima de limites de geração e de moda, situando-se na alta linhagem dos nossos escritores de história.» O depoimento de Vitorino Magalhães Godinho não é menos enfático: «No primeiro plano da historiografia portuguesa do século XX destaca-se [...] a figura de Jaime Cortesão. Médico de formação, poeta de temperamento e estilo, tem o agudo sentido de uma problemática universal, sabe visionar o luso império no seu conjunto e desvendar os fios que o prendem ao que se desenrola nos quatro continentes e nos três oceanos, e arrogadamente galga sobre os documentos, que conhece como ninguém, para arquitectar hipóteses sedutoras e provocantes como reptos [...].»
Era filho do filólogo António Augusto Cortesão e irmão do historiador e cartógrafo Armando Cortesão.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994