Alfredo Pimenta
[Guimarães, 1882 - Lisboa, 1950]
Polígrafo da primeira metade do século XX (o seu primeiro livro data de 1904 e os seus últimos escritos são do ano da sua morte), versou variados géneros, desde a poesia à política, da filosofia à história, do ensaio à critica literária, filosófica, histórica, deixando vastíssima bibliografia numa escrita primorosa de clareza e rigor.
Desta bibliografia há quatro índices sendo os mais completos os do Terceiro Volume de Estudos Filosófcos e Críticos (Liv. Cruz Braga, 1958) e o do Boletim de Trabalhos Históricos, vol. XXXIII (Guimarães, Dezembro de 1982). A sua numerosa colaboração em jornais, nacionais e estrangeiros, revistas de ciência histórica, literária e política, dicionários, etc., continua esparsa sendo de grande interesse para a cultura da época a sua inventariação e análise.
Licenciado em Direito pela Universidade de Coimbra (1908), continuou ao longo da vida a sua formação intelectual, iniciada já antes do frequentar a Universidade. A sua vasta biblioteca, doada em 1970 pelos filhos à Fundação Calouste Gulbenkian, constitui a prova material desta intensa actividade intelectual.
Trabalhador infatigável, foi figura marcante da época, pela originalidade das suas propostas, que iam até ao seu modo de trajar: monóculo, capa negra, chapéu mole, luvas brancas, bengala, sobraçando um punhado de livros, descia todas as tardes o Chiado, entrando nas livrarias de sua preferência, como, até certa altura, a Portugália, e sendo mal olhado noutras, como a Bertrand, onde se agrupavam os seus opositores.
Coetâneo de Júlio Dantas, Teixeira de Pascoaes, Afonso Lopes Vieira, António Corrêa d'Oliveira, Leonardo Coimbra, António Sérgio, Jaime Cortesão, Aquilino Ribeiro, António Sardinha, Fernando Pessoa entre outros, elaborou de um modo pessoal um sistema de referências teóricas a que submetia com intransigente coerência a sua vida prática, o que lhe valeu inúmeros dissabores e conflitos: «[...] tinha uma vida ingrata, áspera, dura, a formular constantemente diante de mim o dilema trágico: ou ser vencido ou ser vendido. Diferença de uma letra – mas diferença infinita. Escolhi o ser vencido. E a vida venceu-me [...]» (A propósito de António Sardinha, 1944). Caldeou no seu pensamento várias influências cuja integração lógica procurou fazer, como demonstra António José de Brito num dos mais completos estudos que lhe foram dedicados («O pensamento de Alfredo Pimenta», in Futuro Presente - Revista de Nova Cultura, número especial, 21/22, Abril-Junho de 1985): o individualismo vitalista de Nietzsche e Stirner, o relativismo de Comte e a escolástica. Daí ter levantado permanentemente à sua volta grandes controvérsias (pode avaliar-se o impacte das suas atitudes e opiniões pela frequência com que é mencionado nos jornais do tempo, pela multidão do caricaturas em que é representado e número de duelos para que foi desafiado).
Com efeito, católico (depois de um período de agnosticismo, reencontra a fé, 1914), o seu catolicismo «unia-se a um vitalismo e a um voluntarismo antiliberal e reaccionário, inspirado de modo primordial em Nietzsche e por isso bastante raro entre nós» (António J. de Brito, op. cit.), dissidiu numerosas vezes dos órgãos ofciais da Igreja e envolveu-se em polémicas ácidas e vivíssimas (A Política do Centro Católico e a Minha Resposta ao Sr. Bispo de Bragança e Miranda, 1925, Do Meu Fidelíssimo, da Teologia das «Novidades» e do mais Que adiante Se Verá, 1925, entre outras) com grande parte dos católicos, bispos e leigos, chegando a ser denunciado como «escritor perigoso» numa nota do cardeal-patriarca de Lisboa.
Republicano durante a Monarquia e monárquico na República (faz profissão pública de adesão à Monarquia em 1915) porque a isso o impelia a influência comtiana, separou-se dos republicanos democratas, primeiro, e, em seguida, dos evolucionistas, para se aproximar dos monárquicos integralistas, dos quais se afastou por fidelidade ao princípio monárquico da odediência ao rei (D. Manuel II, na ocasião), a quem procurou converter à monarquia tradicional, demonstrando-lhe a legitimidade de se desligar do seu juramento à Carta Constitucional.
Entusiasta apoiante de Oliveira Salazar, no qual encontrava as raizes do pensamento integralista da sociedade hierarquizada segundo o critério das competências, deslingou-se dele face à sua não-resolução do problema do Regime. Anti-democrata convicto por temperamento e filosofia, tomou vigorosas posições a favor dos países do Eixo numa altura em que a opinião dominante lhes era contrária, antevendo com grande obstinação uma má sorte para a Europa e civilização cristã de um reforço do poder dos USA e da URSS (Contra o Comunismo - Análise Comparativa das Encíclicas «Mit Brennender Sorge» e «Divini Redemptorii», 1944, Os Criminosos de Guerra e os Neutros, 1945, Em defesa da Portugalidade, 1947). Comtiano, começa a desiludir-se da ciência, vendo nela, na senda de Poincaré, apenas a «afirmação duma série de hipóteses cómodas e variáveis, substituíveis, evoluindo então para um cepticismo teorético acentuado com o consequente afastamento da orientação científica», (apud Brito).
A partir daí refugia-se num eruditismo que lhe permite passar a pente fino as manifestações da vida cultural, nacional e estrangeira. Ficaram célebres os seus rodapés, «Cultura nacional, Cultura estrangeira» do Diário de Notícias (1923-1950), em que procurou «fornecer ao leitor português o espectáculo sistemático das múltiplas manifestações da cultura moderna» (sic) e que depois foram reunidos nos 3 vols. dos Estudos Filosóficos e Críticos (1930, 1935 e 1958).
Cultor da história, enveredou pelo estudo crítico das fontes, de que ficaram numerosos estudos [entre outros a série de 25 Estudos Históricos, de 1937 a 1949, Elementos de História de Portugal (1934), de que haverá 5 eds., D. João III (1936), Subsídios para a História de Portugal (Textos & Juízos Críticos) (1937), Fuero Real de Afonso o Sábio – versão portuguesa – (1946), Idade Média (Problemas & Soluções) (1946)], preocupando-se com o problema de cientificidade da história, no que não foi acompanhado por nenhum historiador do seu tempo. Inovou o estudo da história no ensino secundário ao introduzir no compêndio Elementos de História de Portugal a indicação das fontes justificando esse método. Este livro levantou grande controvérsia acerca da sua inteligibilidade para os alunos do liceu. Defensor da objectividade na história, abandona deliberadamente essa posição ao escrever os Elementos e D. João III: «não fora a hora que o país atravessava de liberalismo anticatólico e antiportuguês, teria feito uma história exclusivamente científica que seria uma apresentação dos factos e das suas fontes sem qualquer espécie de novoeiro filosófico a informá-los. No entanto, eles contêm uma forte dose de filosofia da História, a minha verdade, a minha doutrina. É a sua parte frágil porque é a sua parte discutível, a sua parte acessível aos dentes das matilhas. Tive que a elaborar para a opor às minhas não-verdades que considero prejudiciais ao meu país» (Elementos de Hist. de Portugal).
Poeta, situou-se, segundo Óscar Lopes (in Entre Fialho e Nemésio, vol, II, Imprensa Nacional, Lisboa, 1987), entre o modernismo e a tradição, mantendo «paralelamente com o Primeiro Modernismo uma continuidade de esteticismo decadente» (Alma Ajoelhada, 1914, O Livro das Orações, 1916, Paisagem de Orquídeas, 1917, O Livro das Sinfonias Mórbidas, 1921, entre outros), embora no seu último livro, publicado em 1941, Últimos Ecos de Um Violino Partido, que reúne poemas antigos, se reconcilie com a poesia tradicional (apud Óscar Lopes op. cit.).
Exerceu as seguintes funções públicas: professor do Liceu de Passos Manuel (1911-1912), deputado (1913 e 1918), conservador da Torre do Tombo (1933 a 1949) e seu director de 1949 a 1950, vogal da comissão central do Conselho da Instrução Pública (1933 a 1936), director do Arquivo Municipal de Guimarães (1931 a 1950), onde fundou o Boletim dos Trabalhos Históricos. Pertenceu ao grupo literário «Os Tertulíadas», de que foi fundador com João Ameal e Caetano Beirão, entre outros e à Academia Portuguesa da História (1937), de que foi fundador e titular da cadeira nº. 9.
Em 1936 foi atribuído o Prémio Ramalho Ortigão, do Secretariado da Propaganda Nacional à 3ª. ed. dos Elementos de História de Portugal, e reivindica no ano seguinte o Prémio Alexandre Herculano para o seu D. João III.
Em 1982 foi instituído o Prémio Afredo Pimenta por seu filho, o Dr. Alfredo Manuel Pimenta.
Usou os seguintes pseudónimos: Structor, Lord Henry, Humberto de Aguiar, Frondélio Vimaranense, Álvaro Vaz Teixeira de Meneses.
Da vasta colecção de cartas que lhe foram endereçadas, e onde perpassam grandes nomes da cultura e política nacionais e estrangeiras (Cartas dos Outros para Alfredo Pimenta, 1963, edição que reúne algumas, preparando-se para breve a publicação da sua correspondência com Oliveira Salazar), ressalta uma faceta pouco falada do seu carácter: a do profundo interesse pelos desprotegidos da sorte, qualquer que fosse a condição social dos que se lhe dirigiam pedindo ajuda.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. III, Lisboa, 1994