José Jorge Letria
[Cascais, 1951]
José Jorge Letria nasceu em Cascais, em 1951. Cantor de intervenção (inicialmente), jornalista, professor, escritor e autarca (foi vereador da Cultura da Câmara Municipal de Cascais): cinco vertentes de uma personalidade cujo trabalho se encontra permanentemente dirigido para a cultura (foi eleito, em 2010, presidente da direcção da Sociedade Portuguesa de Autores).
Os vários modos de literatura, seja ela «institucionalizada» ou infantil, são cultivados por este autor que apresenta diversos títulos traduzidos no estrangeiro e que tem obtido numerosos prémios; foi distinguido por três vezes com o Prémio «O Ambiente na Literatura Infantil», da Secretaria de Estado do Ambiente, e galardoado com o Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças (1990-91) entre outros também relevantes, designadamente na área da poesia. Com várias dezenas de livros para crianças, José Jorge Letria apresenta-se como um dos autores mais profícuos do nosso panorama editorial recente.
O convite à imaginação é uma constante da sua escrita. Na narrativa, concretizando aquilo que Bachelard preceituava para uma literatura de qualidade – unir a poética do sonho ao prosaísmo da vida –, José Jorge Letria alimenta o jogo dialéctico que se estabelece entre as solicitações da sociedade em que a criança se integra e o percurso que esta realiza numa maturação lenta que conduz à sua transformação em ser responsável e actuante.
O sonho é o elemento recorrente mais visível na sua obra, numa permanente procura de explicação daquilo que só o coração compreende. Dando continuidade a uma narrativa de todos conhecida (António e o Principezinho, 1993), mostrando como a força da imaginação pode acabar com a solidão (O amigo inventado, 1994), ultrapassando a barreira do tempo ou encontrando sonhadores de profissão (Pelo fio de um sonho, 1990) reencontrando as fadas (Fadas contadas, 1988) ou glosando o mito da eterna juventude (O menino eterno, 1994), oferece-nos uma prosa terna e calorosa, capaz de tocar a criança e, igualmente, o adulto sensível à poesia do mundo. O reconto e recriação de contos e lendas tradicionais de várias partes do mundo (Lendas e contos indianos, 2006, e vários outros títulos) bem como a escrita de textos originais inspirados, por vezes, no imaginário desses mesmos contos e lendas (Lendas do Mar, 1998) ou ainda o nonsense e o humor de O Livro das receitas malucas (2008) configuram outras tendências de uma escrita multifacetada.
As preocupações ecológicas sobressaem em vários títulos, alguns deles premiados; ciente de que só temos este mundo para deixar aos nossos filhos, o autor insiste em ideias-chave estreitamente ligadas ao mar, ao vento, à terra e a todos os seres que nela habitam (Uma viagem no verde, 1987).
O conto ou a novela de fundo histórico são subgéneros da ficção que José Jorge Letria trabalha com evidente mestria. Ora identificando-se com figuras universais, como Kepler (O homem que tinha uma árvore na cabeça, 1991), ora com nacionais, como Viriato (O cavaleiro do vento, 1991) ou Machado dos Santos (Machado dos Santos: O herói da Rotunda, 2010), o jovem leitor é convidado a penetrar numa área narrativa diferente, onde encontra paradigmas dos valores que definem o Homem como um ser comprometido com a sociedade do seu tempo. Nesta mesma linha, cumpriria destacar ainda, por exemplo, as diversas obras que o Autor dedicou quer a figuras que estiveram ligadas à ditadura salazarista/marcelista quer ao 25 de Abril de 1974.
Com vasta produção poética dirigida aos adultos, não descura, porém, o facto de as crianças apreciarem uma poesia marcada pela exploração dos elementos rítmicos e pela valorização do nonsense (O livro das rimas traquinas, 1992) ou textos poéticos onde a densidade do conteúdo se sobrepõe à dimensão formal (A ilha do menino poeta, 1994). Já num livro como Letras & letrias (2005), o autor retoma e recria um género poético – a greguería –, cunhado pelo poeta modernista espanhol Ramón Gómez de la Serna, procurando colocá-lo ao nível da competência de leitura de um leitor infantil e explorando a dimensão humorística do género.
A dramaturgia de Letria incide em pequenas peças de teatro que exploram o didáctico e o lúdico, sem caírem na tentação moralista. Agrupadas em dois volumes, procuram alimentar na criança o gosto pelo teatro, graças à escolha de histórias próximas do imaginário infantil e à exploração do cómico nas suas múltiplas vertentes (O pequeno teatro, 1993).
Recusando qualquer tipo de exílio da infância e considerando que a conquista de leitores passa pela educação da sua sensibilidade, o idiolecto deste autor é marcado por uma densidade poética assinalável; o léxico adoptado nos seus livros procura alimentar uma cumplicidade afectiva e lúdica com um leitor que tem de ser conquistado para um mundo que urge transformar.
Bibliografia selectiva: Histórias do Arco-íris (1983), Lisboa: Horizonte; O Grande Continente Azul (1985), Lisboa: Horizonte; Uma viagem no verde (1987), Lisboa: Vega; O homem que tinha uma árvore na cabeça (1991), Porto: Porto Editora; Histórias do espelho da Lua (1992), Porto: ASA; O livro das rimas traquinas (1992), Lisboa: Terramar; António e o Principezinho (1993), Porto: Desabrochar; O menino eterno (1994), Porto: Civilização; Como por encanto (1996), Venda Nova: Bertrand; Lendas do mar (1998), Lisboa: Terramar; Letras & letrias (2005), Lisboa: Dom Quixote; Lendas e contos indianos (2006), Porto: Ambar; O Livro das receitas malucas (2008), Porto: Porto Editora; Machado dos Santos: O herói da Rotunda (2010), Lisboa: Texto.
[Rui Marques Veloso]
02/2012