Sophia de Mello Breyner Andresen
[Porto, 1919 - Lisboa, 2004]
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, a 6 de Novembro de 1919, e faleceu em Lisboa, a 2 de Julho de 2004. A sua infância feliz vivida no Porto propicia-lhe imagens e reminiscências que, de uma forma ou de outra, se vão entalhar na sua obra lírica e narrativa, em especial nos contos para crianças: a casa do Campo Alegre e o seu jardim (actual Jardim Botânico do Porto, que inspirou O Rapaz de Bronze, A noite de Natal, A floresta), a praia da Granja (na origem de A menina do mar), as festas de Natal de tradição nórdica (de cuja memória estão imbuídos O Cavaleiro da Dinamarca e A noite de Natal). Sophia frequenta o curso de Filologia Clássica, que abandona, e casa com o advogado Francisco Sousa Tavares, passando a viver em Lisboa. Segundo testemunho da Autora, os seus contos para a infância terão começado por ser histórias contadas aos filhos.
Sophia é reconhecidamente uma das vozes maiores da poesia portuguesa de todos os tempos (também autora de contos para adultos, de peças de teatro e de ensaios) e os seus livros infantis tornaram-se verdadeiros clássicos da literatura portuguesa, tendo sido alguns deles traduzidos para outras línguas. A poesia que publicou foi, por mais que uma vez, distinguida com prémios de prestígio, nacionais e internacionais (Prémio Camões, Prémio Pessoa e outros), o mesmo acontecendo com a sua obra destinada aos mais novos, a que foi atribuído o Grande Prémio Calouste Gulbenkian de Literatura para Crianças.
A escrita de Sophia de Mello Breyner Andresen destinada à infância, cuja harmonia no plano rítmico é por de mais evidente, produz um efeito quase encantatório, sendo as obsessivas enumerações presentes na sua prosa servidas pela sábia combinação de nome e adjectivo (anteposto e posposto) e por uma sintaxe peculiar que recorre com frequência a estruturas de tipo anafórico, ao polissíndeto e ao assíndeto. Das imagens emana uma sensorialidade que encontra paralelo num discurso ritmado e fluente, marcado por aliterações, assonâncias, subtis homoteleutos, cujo léxico (obsessivo) se reporta sobretudo ao mundo natural, fixando-se em elementos ligados à água, à terra, ao ar e ao fogo. Se, no plano sintáctico, esse discurso procura quase sempre ir ao encontro da limitada competência linguística do seu destinatário extratextual – a criança –, nunca resvala para a facilidade; antes encontra, em certas estruturas frásicas e textuais aparentemente elementares, o modo mais adequado de exprimir a beleza do mundo, a complexidade dos sentimentos, das tensões e das fantasias pessoais. À maioria dos contos não é estranho o conhecimento da literatura de fantasia nórdica e anglo-saxónica, registando-se evidentes relações quer com a restante escrita lírica e narrativa da autora (no plano da intertextualidade homo-autoral), quer com grandes clássicos da literatura universal (para adultos e para crianças): os contos de fadas e As mil e uma noites, Homero, Ovídio, Camões, Boccaccio, Shakespeare, Collodi, Andersen e Oscar Wilde, entre outros.
Inúmeras vezes reeditados, tanto O Rapaz de Bronze (1956), A fada Oriana (1958), A menina do mar (1958) e A noite de Natal (1960) como O Cavaleiro da Dinamarca (1964), A floresta (1968), O Anjo de Timor (2004) e os recontos que é possível ler em A árvore (1985), a par da breve peça teatral O Bojador (1.ª ed., [1961]; 2.ª ed., 2000), representam, na sua maioria, momentos altos da história da literatura portuguesa para crianças. Sem se assumirem declaradamente como obras moralistas, não restam dúvidas de que a sua inteligente urdidura aponta para um dever ser, em que surgem valorizados a Natureza, a harmonia, o equilíbrio e a justiça. À condenação do egocentrismo e do artificialismo, da hipocrisia e da perversão originada pelo apego aos bens materiais, opõem-se a amizade, o amor, a paz e a generosidade, bem como (assim o assinalou Clara Rocha) a exaltação do humanismo cristão, do valor social e ético da obra de arte e da fidelidade a princípios antigos e universais.
Bibliografia selectiva: A menina do mar (1958), Lisboa: Ática; A fada Oriana (1958), Lisboa: Ática; A noite de Natal (1959), Lisboa: Ática; O Bojador [1961], Lisboa: Caminho, 2000; O cavaleiro da Dinamarca (1964), Porto: Figueirinhas; O rapaz de bronze(1965), Lisboa: Minotauro; A floresta (1968), Porto: Figueirinhas; A árvore (1985), Porto: Figueirinhas, 1985.
[José António Gomes]
02/2012