José Gomes Ferreira
[Porto, 1900 - Lisboa, 1985]
Poeta e ficcionista. Foi discípulo de Leonardo Coimbra que o terá marcado, quer pela sua própria atitude cultural, quer através da revelação de figuras como Raul Brandão, escritor-chave na obra literária do autor de Tempo Escandinavo.
Em 1919, alista-se no Batalhão Académico Republicano, matricula-se na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e, com Humberto Pelágio (director artístico), dirige um «mensário para arte, para literatura, para vida mental» com o título de Ressurreição. Uma revista onde colaboraram, além de José Gomes Ferreira, António Nobre, Augusto Gil, Fernando Pessoa e João de Barros, mais o desenhador Stuart de Carvalhais. Mas não está aqui a sua estreia literária. No ano anterior, com apenas dezoito anos, publicara a colectânea de poemas Lírios do Monte, uma precocidade apadrinhada pela família e de que o próprio poeta virá a troçar.
Completado o curso de Direito em 1924, segue a carreira consular que exerce em Kristiansund, na Noruega, como cônsul, entre 1926 e 1930. De regresso a Portugal, em 1931, de par com a actividade de tradutor e, em especial, de tradutor de legendas para filmes, José Gomes Ferreira inicia a sua verdadeira carreira literária. Nesse ano de 1931, colabora na revista Presença (exactamente no nº. 33, com o qual Adolfo Casais Monteiro passa a fazer parte da direcção) e na revista Descobrimento, dirigida por João de Castro Osório (1931-1932), nomeadamente numa «Antologia de poesia modernista» ali publicada. Vêm depois, e por ordem cronológica, O Diabo (1934-1940), a Revista de Portugal, dirigida por Vitorino Nemésio (1937-1940), a segunda série de Portucale (1946-1950), a Gazeta Musical e de Todas as Artes (1950-1957), então dinamizada por João José Cochofel, a Serpente (Porto, 1951), onde aparece pela primeira vez um ensaio de Alexandre Pinheiro Torres sobre a poesia de José Gomes Ferreira, embrião do que virá a ser o livro daquele autor Vida e Obra de José Gomes Ferreira, publicado em 1975, Pentacórnio (1956), Europa, de Adolfo Casais Monteiro (1957), os Cadernos do Meio-Dia (Faro, 1958), e várias outras, de permeio ou a seguir, com menos importância para a sua obra.
Por este caminho se verifica que, conotado como muitas vezes é com o neo-realismo, ou com ele proximamente aparentado, o «poeta militante» vem muito mais na linha que sai de um Raul Brandão e vai passar por José Régio, sendo, como diz Óscar Lopes, «principalmente o porta-voz de um sentimento de remorso e responsabilização do intelectual lúcido por todas as brutalidades e injustiças, pelo drama histórico dos últimos cinco decénios; as contradições da auto-sinceridade, já focadas por Raul Brandão e Régio, ganham com ele tons alternativos de sarcasmo, de nojo, de revolta, de melancolia, de perplexidades, anotadas no quotidiano imediato.»
Como prosador, de par com um certo toque de surrealismo, José Gomes Ferreira, percorrendo caminhos semelhantes aos de escritores da sua geração, tais um Rodrigues Miguéis ou uma Irene Lisboa, como também regista Óscar Lopes, atinge, quer na sua obra de memorialista, quer na sua obra para jovens, um nível de didactismo que só o segundo daqueles autores consegue. Tirante As Aventuras de João Sem Medo (1963), muitos anos antes publicadas num jornal infantil, a sua obra só começa a chegar verdadeiramente ao peso do livro quando, em 1948, publica o volume Poesia I.
Uma coincidência com um ponto alto do neo-realismo, provocada, não pelo alinhamento com aquele movimento dos poemas então e no futuro publicados – e dos antes dispersos pelas revistas já citadas, que vieram a ser ou não recuperados – mas pela data da edição do livro e pelo incitamento, confessado pelo autor, que àquela publicação lhe foi dado por alguns dos melhores poetas daquele grupo, também coincidentemente seus amigos. Não passará totalmente indiferente aos neo-realistas, perfilha até muitos objectivos comuns, mas numa linha que lhes é anterior e à qual continuará fiel, por geração e responsabilidade assumida: «poeta militante» sim, mas também, e como igualmente disse, «misto de Cavaleiro-Andante, profeta, jogral, vate, bardo, jornalista, comentador à guitarra de grandes e horríveis crimes».
Como se registou, bebendo desde Raul Brandão, mas por si próprio ganhando outras formas de modernamente militar em poesia e prosa, formas muito mais condizentes com a geração a que realmente pertencia. E, como se viu antes, se a estreia em livro é do tardio 1948, o seu envolvimento como poeta nos vários movimentos a que Portugal assistiu desde a Presença vem já de 1931.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. IV, Lisboa, 1997