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segunda-feira, 23-12-2024
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Leitores e leituras

Leitores e leituras
                  

 Cada um que lê reúne-se a uma imensidade pensante, em repouso, quem lê está em estado de levitação, pertence a uma imagem pairante. 

Filomena Molder


Se é certo que pertencemos a uma das culturas do livro e da leitura (como o blogue "O silêncio dos livrostão bem ilustra), falar em livros e em leituras obriga-nos hoje a falar em redes sociais de leitores, cuja força e dimensão a internet fez disparar vertiginosamente nos últimos anos. Ler, criticar e recomendar livros, discutir correntes literárias e dialogar sobre e com autores, são o móbil que consolida e expande estas novas redes de leitores.

Neste sentido, o Bookcrossing (2001) é talvez a mais conhecida destas primeiras redes de leituras partilhadas. Em 2014, contava com mais de um milhão de leitores e mais de 10 milhões de livros registados, em mais de uma centena de países. Em Portugal desde 2005, o Bookcrossing Portugal encontra-se em 9º lugar na lista mundial de países em que esta rede de leitores se encontra ativa. Diversas bibliotecas, cafés e pastelarias, entre outros lugares de convívio, são zonas oficiais de Bookcrossing e pontos de encontro físico desta família de leitores originários do mundo virtual. 

Já um sítio como Shelfari, criado, em 2006, por e para amantes de livros e totalmente assente na dimensão virtual, oferece a cada um dos seus utilizadores a possibilidade de ir construindo uma «prateleira» de livros, de os discutir com outros leitores, e de os recomendar a outros. Com a crescente dimensão destas redes sociais de leitores, a respetiva importância financeira aumentou exponencialmente e explica por que foi a Shelfari comprada pela Amazon um ano e meio após a sua primeira edição. 

Também a We Read acabou comprada pela megastore distribuidora FlipKart. Criada por Krishna Motukuri e Harish Abbott que, em 2007, deixaram a Amazon para criar a WeRead em Bangalore, na Índia, em três anos reuniram mais de 3 milhões de leitores registados e mais de 60 milhões de recensões livros. Fundada em 2006 como iRead, este sítio permitia aos seus leitores, através de uma série de aplicações em rede, enviar e receber recensões bibliográficas. Num mundo em que «todos podem publicar», o valor de WeRead para a sua comunidade em acelerado crescimento (1.9 milhões em 2008), era o de uma fonte independente e fiável de avaliação crítica de uma obra. Para ter uma ideia da importância deste projecto, propomos a leitura do artigo de Anirvan Ghosh publicado no The Economic Times

Esta nova (e anteriormente impossível) forma de socialização de leitores online tem-se revelado extremamente dinâmica e criativa, como o comprovam, entre outros, os sítios Goodreads, nascido em 2007 e hoje com 30 milhões de membros, 900 milhões de livros e 34 milhões de recensões críticas. Também o Library Thing (LT), um sítio de «indexação social» de livros e respetivas recensões e notas, concebido em 2005 para «armazenar e partilhar catálogos de livros e diversos tipos metadados, passou a ser massivamente utilizado por autores, indivíduos, bibliotecas e editores (Wikipédia). Em 2013, com 1.65 milhões utilizadores e 80 milhões de livros catalogados, foi comprado pela Amazon. 

Já o Book blogs, por exemplo, representa um salto qualitativo destas novas associações de grandes leitores de edição corrente: os respectivos membros não apenas lêem livros, como os divulgam (e não apenas em blogues), e ainda os escrevem. Dos emails ao Facebook e ao Twitter (agora X) um número inimaginável de pessoas que, sem "este novo mundo" pouco ou nada leriam e muito menos escreveriam, passaram a fazê-lo.

O blogue (contração de web log) costuma ser o exemplo de excelência. Criado em 1997 para designar sites cuja estrutura dinâmica e interface amigável facilitavam a publicação imediata de textos, imagens e sons, sem a mediação de webmasters ou especialistas em tecnologia, propiciaram a publicação de um número gigantesco e dificilmente estimável de blogues, que, no seu conjunto, constituem veículos de promoção das mais diferentes formas de expressão democrática, os especialistas são hoje unânimes na afirmação dos benefícios desta prática, tanto na formação de hábitos de leitura e escrita.

Para além de todas estas grandes comunidades de leitores, existem também inúmeros projectos individuais cuja dimensão está por reconhecer e de aqui apenas damos um breve apontamento: através da proposta de consulta de sítios como Campaign for the american reader (CftAR) da autoria de Marshal Zeringue, um escritor e produtor americano, uma iniciativa independente que visa encorajar mais leitores a ler mais. Ou o Reader’s Project, da autoria da especialista italiana em informática Glória Rossi, que tem como objectivo oferecer uma galeria virtual de fotografias de momentos de leitura, de livros e de estantes que nos revelem quem somos enquanto leitores. Ler por aí, o sítio português de Margarida Branco (também no Facebook) propõe entre 2009 e 2013. livros para ler em lugares onde ir.

Assim, é já hoje consensual que o século XXI viu surgir novas práticas de leitura e de escrita largamente partilhadas. Beyond the book project dá-nos conta da importância deste novo fenómeno literário de leitura de massas. Como e por que razões surgem e se desenvolvem estas novas comunidades de leitores, e qual a actual função popular da ficção literária, constituem os objectos deste estudo transnacional, elaborado para os Estados Unidos da América, Reino Unido e Canadá. A listagem das ligações deste sítio aponta-nos o caminho e a dimensão da leitura e da escrita do século XXI. Em Portugal, o sítio “Segredo dos livros” (2006) de Fátima Rodrigues, dedicado à ficção editada no nosso país, contava já em 2007 com o apoio de inúmeros leitores e de algumas editoras. É um portal que se quer da lusofonia e conta com cerca de 40000 membros, 2000 livros divulgados e cerca de 5000 notas e recensões, e mais de 1 milhão de visitas.

Por último mas não em último, chamamos a atenção para extraordinária base de dados RED - The reading experience database em acesso aberto que reune já mais de 30 000 registos de experiências de leitura de subditos britânicos, ou de visitantes das ilhas britânicas, documentadas entre 1450-1945, tanto no no Reino Unido como no estrangeiro. Contempla todo o tipo de leitores, conhecidos ou anónimos, e as suas respetivas leituras. Fonte de formação e de pesquisa, este projeto tem cerca de 2000 visitantes por mês, oriundos de mais de 1000 países diferentes. Iniciada no Reino Unido em 2006, internacionalizou-se a partir de 2011, com a criação de bases de dados compatíveis sobre a experiência leitora na Austrália, no Canadá, na Holanda (Países Baixos) e na Nova Zelândia.