José de Almada Negreiros
[São Tomé, 1893 - Lisboa, 1970]
Almada Negreiros nasce em 7 de Abril de 1893 na Fazenda Saudade, em São Tomé. É uma personalidade que se afirma, desde o princípio deste século, em vários campos da arte e da literatura. Na definição de Carlos Queirós, ele é «desenhador, conferencista, bailarino, novelista, crítico-panfletário, pintor e poeta. Em tudo, e sobretudo, poeta. Ele próprio, humanamente, poeta».
A posse dessas vocações múltiplas leva-o a Paris, na mesma década em que Sá-Carneiro aí se exila, e, mais tarde, a Madrid, onde trabalha como artista plástico entre 1927 e 1932. Em 1934 casa, em Lisboa, com a pintora Sarah Afonso.
Em 1911 revela-se ao público através da 1ª. Exposição do Grupo dos Humoristas Portugueses, que integra. Dois anos mais tarde, uma exposição de caricaturas é o lugar onde conhece Pessoa, de quem se faz amigo. Torna-se uma das figuras salientes no nosso primeiro modernismo, cujas expressões mais conhecidas se reúnem em torno das revistas Orpheu (1915) e Portugal Futurista (1917). Mais tarde, funda e dirige Sudoeste (1935), cujo título alude à necessidade do seu posicionamento europeu. Os dois primeiros números desta revista incluem exclusivamente criações ou ensaios seus, mas o terceiro contém ainda alguns dos últimos escritos de Pessoa. Entretanto, além de artigos dispersos em outras revistas ou jornais, publicara já a novela A Engomadeira (1917), a colectânea de poemas em prosa A Invenção do Dia Claro (1921) e a peça de teatro Pierrot e Arlequim (1924).
O romance Nome de Guerra, sua obra literária de maior fôlego e, simultaneamente, o seu texto mais conhecido, é publicado em 1938, treze anos depois de escrito, e conta já algumas reedições. Outro texto muito divulgado é a peça de teatro Deseja-se Mulher, editada em 1959, vinte e um anos depois de escrita e várias vezes reformulada.
De salientar, ainda, que A Cena do Ódio, conhecida desde 1915 (esteve impressa para integrar o terceiro número de Orpheu, que nunca chegou a sair), só seria publicada em 1958, por Jorge de Sena, na antologia Líricas Portuguesas - 3ª. Série. É um texto de referência para a compreensão do temperamento de Almada: longo poema de introdução panfletária e em cujo desenvolvimento se alia uma provocação amarga a um ingénuo inconformismo, espécie de gesta em que o autor se representa como anti-herói.
Com uma estada em Paris na altura em que esta cidade detinha os privilégios de centro difusor das expressões culturais do novo século, com a vivência madrilena, imediatamente anterior à Guerra Civil espanhola, momento tido, para muitos, como matriz cultural do Ocidente que nos é contemporâneo, é natural que Almada se queira ter constituído como alternativa ao conservadorismo da nossa cultura dominante, estigma ou sedimento que Sudoeste pretende ainda, em meados dos anos 30, agitar. No entanto, é a cultura dominante que se adapta à imposição pública do seu talento: são inúmeras as obras de arte de sua autoria patentes em edifícios públicos (frescos, painéis, vitrais, acrílicos, tapeçaria) e muitos os prémios e condecorações nacionais que obteve.
No campo literário, se o Manifesto Anti-Dantas (1915) pôde representar sinal de vanguarda, as suas repercussões esbatem-se à luz dos textos narrativos e dramáticos de criação posterior. Almada, no espaço que vai ocupando, parece que apenas não quer, como o protagonista do Nome de Guerra, deixar «passar a vez natural de todas as suas idades», o que lhe terá oferecido a condição de ser reclamado por muitas tendências e muitas escolas, que pelo menos uma das suas idades terão utilizado. A sua posição de maldito consentido, aliada à produtividade artística, joga também com o seu carácter espontâneo e assumidamente ingénuo, como deixa entrever em passagens como: «a vida engelhava-se-lhe nos pensamentos e ele não sabia doutra reacção mais imediata que a de se acariciar mentalmente. Prometia-se um futuro risonho como chocolates para que não chore um petiz» (Nome de Guerra).
Em Almada é sempre visível, por outro lado, e na crise do sujeito vivida pela modernidade, a recorrência a uma ética anterior ou transcendente que, no reordenamento do mundo, ele faz constar nas suas descrições: «Ele fazia diferença entre viver e existir e, ao separar estes dois verbos, um fantasma velado atravessou a sombra do repente. [...] Ele estava efectivamente na idade de casar-se» (Nome de Guerra). Por conseguinte, em relação aos valores da cultura portuguesa, se Almada foi um revolucionário de circunstância, foi porque isso lhe serviu um papel mais grato de reformador, de reformador nacionalista: «Nós estamos precisamente naquele espaço de terra ibérica que sobejou do tamanho da bandeira espanhola. E por sermos desta terra e por termos seguido daqui em todas as direcções, somos conhecidos em todo o mundo como portugueses.» Se nele, como modernista, é «mais evidente a componente futurista e, por vezes, um espírito lúdico de provocação» (Eduardo Prado Coelho), e se «o futurismo está impregnado dum forte impulso de submissão, latente em todas as juventudes, e que provoca os seus estímulos através de resistências aparentes» (Agustina Bessa-Luís), daí se compreenderá a permanência que a sua personalidade lhe assegura no nosso século e que sobrevive à sua morte, ocorrida a 15 de Junho de 1970.
Centro de Documentação de Autores Portugueses
04/2005