Ignorar Comandos do Friso
Saltar para o conteúdo principal
sábado, 23-11-2024
PT | EN
República Portuguesa-Cultura Homepage DGLAB

Skip Navigation LinksPesquisaAutores1

Biografia

Biografia
                  

Alberto Bramão  
[?, 1865 - Lisboa, 1944]  

Companheiro aristocrata de Raul Brandão e dos nefelibatas portuenses nos anos da juventude, logo então se inicia, desde o Monitor de Bouças à Província, no jornalismo, que permanecerá um dos investimentos mais queridos à sua personalidade; mas entrega-se também já à criação poética, que constituirá a faceta mais relevante da sua actividade de escritor. Nos finais dos anos 80 dá sinais esporádicos de assimilação da nova estética decadentista, como acontece quando publica, por 1886, um soneto («Delírio») de sadismo vampírico, com objecto físico e espiritual.

Porém, era outra a sua matriz literária; e a produção lírica, relativamente intensa, que dá a conhecer até ao termo do século apresenta-o antes como um típico representante do surto neo-romântico e, dentro dessa tendência, como um dos poetas que melhor ilustram a continuidade de linhas temáticas e estilísticas do romantismo epigonal português.

Em 1886, o poemeto Um Beijo define bem essa condição estético-literária, ao dramatizar alegoricamente – na epifania duma Musa angélica e no diálogo com ela travado – a ânsia da euforia quimérica; a ponderação das desgraças e vilezas da existência terrena e a inquietude perante a labilidade das suas venturas, a fugacidade dos seus bens, ou perante o horizonte da morte, que cumula os desenganos, seriam contornadas pela evasão fantasista, no amor e na criação poética. Por isso, numa versificação fácil mas anódina e nos estereótipos de imagens (baixei/plagas, estrela/lago, mar/escolhos, sacrário, caverna, etc.) e adjectivos (caliginosa e estremosa, virginal e feral, divinal e letal, gentil e pulcro, etérea e sidérea, cristalina e alabastrina, incalma e infausta, cérula e ervada, etc.) herdados do romantismo menor e tardio, Um Beijo abre com um quadro de alva fecunda e idílica; e, se atinge o clímax num poente, trata-se de um crepúsculo isomórfico, antidecadentista. Aquela aurora, que no início contrastara com a depressão subjectiva, é interiorizada; apesar de tudo o que faz do Homem um Prometeu agrilhoado, «Mendigando um alívio à dor que nos consome», a Deus se deve o «pomar da vida»; e a «ventura suave» personificada na Musa pode influir na construção do «castelo de sonhos refulgentes» pela «religiosa fantasia».

Em 1895, Alberto Bramão publica uma colectânea mais ambiciosa, Fantasias, com que pretendia responder à necessidade de «corporizar ideias e sentimentos para desafogo dos tumultos íntimos». Sobretudo na 1ª. parte, «Drama íntimo (Amorografia)», e na 2ª. parte, «Dispersos»,Fantasias é uma lírica neo-romântica de amor, aliás inconsumado, não no dramático fulgor da sensualidade e irrealização idolátrica próprio do decadentismo, mas na sofismadora exaltação da divina mulher, em sua beleza perfeita e pura. A 3ª. parte de Fantasias, «Quid obscurum», aspira frustemente a uma poesia de interrogação e angústia metafísica, constituindo-se num dos vários casos neo-românticos de fragmentos de malogrados projectos, sob o signo de Antero, «dum vasto poema que sintetizasse [...] o tenebroso círculo do destino humano»: «A Vida seria o protagonista dessa tragédia, [...] tendo reconhecido que o céu religioso é uma criação arbitrária e piedosa da Fé, a Vida divisava ao fundo, bem no fundo incomensurável precipício do Universo, o rio Nirvana, a caudalosa corrente do esquecimento e do Nada – e despenhava-se para toda a Eternidade.» Mas afinal é como privilégio religioso, oferta de Deus, que A. B. encara a evasão pelo sonho que, embora em inventário de desenganos, o leva depois a contrariar o propósito de renúncia à criação poética. Assim surge, em 1898, nova colectânea lírica, Ilusões Perdidas, que se situa na sequência da obra precedente. A sua discursividade parabolar, alegorizante e moralista, sujeita ao reducionismo sentimental, o pessimismo, a nobriana «dor do pensamento», o fluir do tempo como experiência de desengano e senescência, enfim o fatalismo de cobertura religiosa. Em todo o caso ganham algum interesse a recorrência do coração como dominante da subjectividade (provocando a incerteza passional e a vertigem do desconhecimento de si mesmo) e a antevisão entre pávida e blasé da morte e da macabra consumpção do corpo pelos vermes; o mesmo se diga, por outro lado, do esboço de correlação consequente dos motivos exílio ôntico/ Deus absconditus/ expiação de culpa metafísica.

Enquanto no prefácio a Fantasias fazia uma alusão depreciativa à poética decadentista e simbolista (mostrando não entender a estratégia «novista»), faz preceder Ilusões Perdidas de uma «profissão de fé literária» que julga urgente em «período de anarquia estética e de tão baralhados processos de essência e de forma»; deixa então transparecer uma concepção conteúdistica da literatura e uma visão algo académica da linguagem poética; opõe-se mais abertamente à singularidade imagística, ao rebuscamento lexical e, sobretudo, à sobrevalorização da musicalidade, que caracterizavam os esteticismos finisseculares; contrapõe-lhes uma proposta neo-romântica de autenticidade «espontânea e simples», de arte equacionada como «idealismo nobre» e sub-rogação das «religiões abaladas ao sopro árido da análise positiva».

Curiosamente, a obra de A. B. que hoje mais pode reter as atenções é uma paródia, em verdade coerentemente articulada com a condição estético-literária até agora referenciada. Com efeito, em 1896 publica A. B. o livro de prosas A Rir e a Sério..., cuja 1ª. parte, «O Cantagalo (história verídica dos seus feitos)», contemplava parodicamente o conjunto da poesia «nefelibata», embora aludindo em particular, talvez, a Eugénio de Castro (e seu emblema, o Cata-Sol). Fantasiando o trajecto biográfico e o retrato de alguém «mais instrumentista que René Ghil, mais magista que Sar Péladan, mais colorista que Mallarmé e mais confusionista que todos eles», A. B. tem ocasião de apresentar composições que visam não tanto os vectores ideotemáticos da poesia novista quanto os seus vectores de estranhamento estilístico-formal.

Chocado especialmente pela insólita exploração das potencialidades ópticas e fónicas dos significantes, A. B. oferece exemplos facetos da instrumentação verbal; e, paradoxalmente, as Geométricas de Cantagalo, resultando de uma intenção conservadora, antecipam a feição concretista do experimentalismo poético do século XX. A 2ª. parte («Teatros e touros») e a 3ª. parte («Verdades e paradoxos») de A Rir e a Sério... entregavam-se à crónica, por vezes numa fronteira difusa com a breve efabulação narrativa; e prenunciavam, desse modo, a subalternização da criação lírica (Trigo sem Joio) na carreira novecentista de A. B. – preso nos finais da Monarquia à actividade política (como deputado regenerador e como secretário de Hintze Ribeiro na presidência de ministérios) e, então como mais tarde, praticando intensamente o jornalismo em múltiplos órgãos.

Episódico dramaturgo (com o auto Julgamento do Amor, 1935) e publicista em prefácios, conferências e livros, A. B. deixou então interessantes obras de memorialismo e de opinião sentenciosa.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II, Lisboa, 1990