D. João da Câmara
[Lisboa, 1852 - Lisboa, 1908]
Dramaturgo, jornalista e contista. Figura típica da boémia lisboeta do seu tempo, o carácter espontâneo e generoso tornou-o tão popular quanto a obra que nos deixou. Tendo frequentado a Escola Politécnica, foi condutor das Obras Públicas e, nestas funções, tomou parte na construção de várias linhas férreas (é precisamente a construção de uma dessas linhas, numa zona do Alentejo, que constitui o centro de uma das suas obras mais conseguidas – Os Velhos).
Depois de uma série de pequenas peças em 1 acto (O Diabo e a Nobreza, Bernarda no Olimpo, Ao Pé do Fogão, etc.), teve uma carreira de dramaturgo longa e brilhante. Na sua produção dramática podemos encontrar as principais tendências estéticas que dominaram o teatro português dos fins do século XIX: desde uma persistente tradição romântica, visível nas peças de carácter histórico (Afonso VI, Alcácer-Quibir), ao drama de ambiente e de costumes (Os Velhos, A Toutinegra Real) e do melodrama populista (A Rosa Enjeitada) ao drama de inspiração simbolista, de que foi introdutor (O Pântano, Meia-Noite). Aliás, a presença dessas forças ocultas e transcendentes que comandam os destinos dos homens e do mundo era já sensível nos dramas de tema histórico, prenunciando o melhor Raul Brandão.
Desta vasta série de obras podemos destacar o já citado drama Os Velhos – a obra dos autores desta geração que mais se aproxima da estética realista. Esta peça, que representa uma tentativa para encontrar o verdadeiro espírito do povo (diferente do povo ignorado ou idealizado de outras obras suas contemporâneas), mostra-nos as várias reacções dos pequenos proprietários rurais à instalação do caminho-de-ferro, sinal de civilização e progresso. Distanciando-se da linguagem enfática e empolgada do romantismo, o diálogo caracteriza-se por uma extrema simplicidade, e a descrição dos tipos e costumes populares é colorida e genuína, aproximando-se das narrativas de Júlio Dinis.
Com O Pântano surpreendeu e desconcertou o público habituado aos melodramas românticos: num ambiente lúgubre e dominado pela obsidiante presença da morte, perpassam personagens angustiadas e inquietas, conduzidas por um destino fatal. A representação de uma realidade transcendente e obscura, existindo para além do mundo sensível, é prosseguida, embora de modo diferente, no drama Meia-Noite – aqui, os conflitos refugiam-se no interior da consciência individual e a realidade esbate-se para dar lugar à alegoria e ao símbolo. Com o fraco acolhimento dispensado a este tipo de peças, D. João da Câmara continuou a escrever para o grande público dramas de acção e costumes, de intriga simples e situações sentimentais mais ou menos convencionais, embora apareça, aqui e além, uma réplica ou uma cena de particular densidade poética.
A obra deste autor inclui ainda crónicas (foi um dos melhores cronistas da época, como o documentam numerosos artigos e folhetins publicados na revista Ocidente) e contos.
É ainda de assinalar a sua contribuição para criar um teatro lírico ligeiro, de características nacionais, no que foi secundado por colaboradores de vulto, como Eduardo Schwalbach e Gervásio Lobato – além dos compositores Ciríaco de Cardoso e Filipe Duarte. Neste género destacam-se O Burro do Senhor Alcaide, O Valete de Copas, O Solar dos Barrigas, Cocó Reineta e Facada e O Oito.
in Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, Vol. II, Lisboa, 1990