Álvaro Cunhal
[Coimbra, 1913 - Lisboa, 2005]
Álvaro Barreirinhas Cunhal nasceu em Coimbra, a 10 de Novembro de 1913, e faleceu em Lisboa, a 13 de Junho de 2005. Aos dezassete anos de idade torna-se militante do Partido Comunista Português (PCP), tendo sido vários os artigos de intervenção política que escreveu para jornais e revistas, como O Diabo, Avante! e Seara Nova. Licenciado em Direito, foi resistente antifascista, opositor à ditadura de Salazar e de Marcelo Caetano, e, preso várias vezes, experimentou o cárcere durante onze anos consecutivos (oito dos quais passados em isolamento), tendo sido torturado e obrigado a partir para o exílio após a fuga, em 1960, da prisão de Peniche. Ocupou o cargo de secretário-geral do seu partido entre os anos de 1961 e 1992. Quer na clandestinidade em Portugal quer no estrangeiro, Álvaro Cunhal exerceu acção de destaque no movimento comunista internacional.
Construtor ímpar dos ideais de liberdade e de democracia, foi também um homem de cultura e da cultura, tendo legado uma obra ensaística e teórica de fôlego, sobretudo no campo político e ideológico. Traduziu o Rei Lear, de William Shakespeare (editado em 2002) e foi artista plástico (os seus Desenhos da prisão, feitos entre 1951 e 1959, foram editados pela primeira vez, em álbum, no ano de 1975; e é autor do desenho da capa da 1.ª edição do romance Esteiros (1941), de Soeiro Pereira Gomes, um dos textos nucleares do neo-realismo português). Sob o pseudónimo de Manuel Tiago (apenas revelado em 1995), deixou também uma obra literária para adultos respeitável – podendo alguns dos seus romances ser lidos por jovens, de acordo com certas orientações didáctico-pedagógicas, como sugeriram, num ensaio, José António Gomes, Ana Margarida Ramos e Sara Reis da Silva, a propósito de A casa de Eulália («A casa de Eulália de Manuel Tiago: uma história entrelaçada na História», in Blanca-Ana Roig Rechou et al. (2008), A Guerra Civil Española na narrativa infantil e xuvenil, Vigo: Edicións Xerais de Galicia / Fundacion Caixagalicia, pp. 373-386). É autor ainda de dois contos dirigidos ao público infantil: O burro tinha razão, publicado em 1935, no periódico infantil O Gaiato, com duas ilustrações do Autor, e Os barrigas e os magriços, assinado com o nome Álvaro Cunhal, vindo a lume em 7 de Junho de 2000 na revista Visão e, em 2009, editado em livro pela Junta de Freguesia de Portimão e ilustrado pelas crianças do pré-escolar das escolas do Fojo, da Quinta dos Amparos e de Major David Neto.
Em O burro tinha razão e em Os barrigas e os magriços, encontra-se, apesar da distância que separa as duas publicações, uma linguagem despojada de artificialismos e com recurso a estratégias narrativas ajustadas aos seus destinatários preferenciais. Os propósitos pedagógicos que subjazem a ambos os textos são indelevelmente inscritos, através de uma arquitectura narrativa marcada, no primeiro caso, pelo diálogo estabelecido entre Joãozinho e os seus bonecos, e em que progressivamente, a criança leitora vai absorvendo mensagens instrutivas, como não deixar para amanhã o que deve ser feito hoje (a conta de aritmética que trazia como trabalho de casa), ou não julgar os outros pela aparência (o «boneco maluco de andar à roda» revela-se o menos maluco de todos e aquele que pode ajudar Joãozinho a multiplicar 24 por 15, estivesse ele disposto a aprender).
A juntar à lista de livros em que o 25 de Abril é contado às crianças, temos ainda Os barrigas e os magriços, uma composição simbólica explicativa dos tempos que antecedem a Revolução, através de uma brilhante representação alegórica dos exploradores fascistas (os barrigas) e do povo oprimido e explorado (os magriços). Com esta narrativa parabolística, construída por meio de estruturas paralelísticas que reflectem esta dicotomia, a criança acede, passo a passo, ao conteúdo significado pelos elementos metafóricos, ou seja, inscreve e regista na sua memória cultural um tempo em que havia, por um lado, os «barrigas», que comiam «tanto, tanto, tanto que nem se percebia onde cabia tanta coisa», e, por outro, «os magriços», que trabalhavam as terras dos primeiros e «recebiam tão pouco, tão pouco, que nem lhes dava para comerem eles, suas mulheres e seus filhos». Esta situação de injustiça culmina com a revolta dos «magriços», a submissão dos «barrigas» e a reclamação de direitos individuais e colectivos. De ressaltar as interpelações interrogativas que o narrador, assumindo o estatuto de um contador oral de histórias, dirige ao narratário infantil colectivo, em momentos cruciais da narração, e que suscitam como que uma pequena pausa, necessária para que o receptor reflicta sobre a mensagem e fixe o juízo de valor resultante desse exercício crítico.
Bibliografia selectiva: O burro tinha razão (1935), Lisboa: jornal O Gaiato; Os barrigas e os magriços (2009), Portimão: Junta de Freguesia de Portimão.
[Ana Cristina Vasconcelos]
02/2012