Eugénio de Andrade
[Póvoa da Atalaia, Fundão, 1923 - Porto, 2005]
Utilizado pelo que foi um dos mais importantes poetas portugueses contemporâneaos, Eugénio de Andrade é o pseudónimo de José Fontinhas, nascido em 1923, na Póvoa da Atalaia (Fundão) e falecido em 2005. Após a infância vivida em meio rural (Beira Baixa), em contacto com os animais e com a natureza e sob a tutelar presença materna (que lhe incutiu o amor à palavra), viveu em Lisboa e em Coimbra, onde fez estudos secundários, mas acabaria por se fixar no Porto. Nesta cidade – que alberga hoje uma fundação com o seu nome –, foi funcionário superior dos Serviços Médico-Sociais, até atingir a idade da aposentação.
Distinguido com alguns dos principais galardões literários atribuídos à literatura de língua portuguesa [Prémio Pen Clube, em 1986 e 2003; Prémio D. Dinis, em 1988; Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores (APE), em 1989; Prémio Vida Literária da APE, em 2000; Prémio Camões, em 2001, entre outros) e com diversos prémios de prestígio concedidos no estrangeiro (Prémio APCA (Brasil, 1991), Prémio Europeu de Poesia da Comunidade de Varchatz (República da Sérvia, 1996), Prémio Celso Emilio Ferreiro (Espanha, 2001)], Eugénio de Andrade é autor de obras poéticas seminais como As mãos e os frutos (1948), Os amantes sem dinheiro (1950), As palavras interditas (1951), Escrita da terra (1974), Matéria solar (1980), Ofício de paciência (1994), Os lugares do lume (1998) e muitos outros títulos. Traduziu Safo, Lorca e outros poetas e publicou diversos livros de prosa de elevada qualidade poética onde é possível ler memórias, evocações de pessoas e de cenários, reflexões sobre a criação literária e sobre artistas plásticos, entre outros tópicos.
Poeta da terra, do corpo e do desejo, dos elementos naturais, em cuja escrita a dimensão erótica e a exaltação da vida são omnipresentes mas em que perpassa também a sombra de Thanatos, Eugénio de Andrade foi, além do mais, cultor de uma linguagem de rigor e de forte poder evocativo e sugestivo, marcada pela originalidade das formulações imagéticas e por uma dicção de assinalável pureza e musicalidade – traços visíveis também na sua obra literária para crianças.
Em História da égua branca (editado em Portugal em 1976, com belas ilustrações de Manuela Bacelar (v.), mas inicialmente publicado em alemão, em 1972), é possível ler uma narrativa breve, inspirada em motivos e temas dos contos populares de exemplo, cuja estrutura tradicional é, no entanto, subvertida, resultando o todo numa história sobre o modo como a tacanhez e a imaturidade humanas podem condicionar a capacidade de aceitar e compreender a natureza animal nos seus impulsos mais vitais.
Iluminado pelas aguarelas de Júlio Resende (v.), Aquela nuvem e outras (1986), por seu lado, tornou-se um clássico moderno da nossa poesia para a infância, tão fortes são os vínculos que as suas composições mantêm com o cancioneiro popular e a esfera das «rimas infantis» da tradição oral, mas também pelo modo como na escrita se conjugam tradição e modernidade e intertextualmente se dialoga com a lírica tradicional, com Camões e com Lorca, entre outros. Ordenados de acordo com um princípio de dificuldade progressiva e dedicados ao afilhado do poeta, Miguel, os poemas que compõem a obra povoam-se de animais, mas também de rosas, frutos, nuvens e ainda de meninos, velhos e poetas. É possível ler adivinhas, romances em verso, canções breves, textos próximos do trava-línguas e da lengalenga, numa escrita que aborda tópicos intemporais como o desejo, a velhice e a morte, a liberdade e a viagem (real ou sonhada), a passagem do tempo e as relações do sujeito com a materialidade da linguagem e com a própria criação poética.
Ambas as obras se encontram traduzidas: a primeira, como foi dito, para alemão, e a segunda para espanhol.
Refira-se, ainda, que Eugénio de Andrade organizou, em 2002, uma antologia de Poemas portugueses para a juventude (Porto: ASA).
Bibliografia selectiva: História da égua branca (1976), Porto: ASA; Aquela nuvem e outras (1986), Porto: ASA.
[José António Gomes]
02/2012