Ignorar Comandos do Friso
Saltar para o conteúdo principal
sexta-feira, 19-04-2024
PT | EN
República Portuguesa-Cultura Homepage DGLAB

Cláudia R. Sampaio: Epitáfio de Domingo / Epitafio de domingo

Cláudia R. Sampaio: Epitáfio de Domingo / Epitafio de domingo

Cláudia R. Sampaio: Epitáfio de Domingo / Epitafio de domingo




Epitáfio de Domingo


Se eu desaparecer hoje

E falo mesmo do meu corpo aqui tão sentado

a escrever desde a ponta da língua

à légua mais distante da minha vida,

diz que compreendi.



Diz que sei que nada está onde é certo estar

Que o amor súbito é a escada para o entendimento

Diz que fui ar azul sobre campos de secura

estrada recta ao infinito,

um acidente ao longe

Que provei toda a sede quando engoli os homens

Que queimei alegremente no ácido das palavras

Que tombei em ricochete para que me vissem

e que, quando me viram, me ergui animal



Diz que me viste nua, sempre

Que corri por hospícios de olhos fechados

e a boca às avessas

Que vivi mais ao alto do que em mundo plano

e fui honesta na minha rente loucura



Diz que nunca esqueci a subida a um plátano

Que ninguém viveu no meu lugar, nem eu, no de ninguém

Que fui o halo frio que preenchi com esta pena

Pela minha ausência

E que tudo o que disse foi com silêncio



Diz que sei, sobretudo, que ardemos juntos como ventosas,

Que o teu corpo me serviu de andar às pernas asmáticas

Que te agradeço ter-te oferecido lírios

Que me reduziste o nojo da espécie

Diz que eu fui eu



Guarda-me este segredo que tenho largo por baixo dos cabelos:

- quanto em mim fui que não vivi

quanto em ti é que fui eu?



Mas não te preocupes, não desapareço hoje

Quando me conheceste já eu não existia

e tu sabes

que essas saudades que vais tendo

são as minhas.







© Cláudia R. Sampaio, Outro nome para a solidão.

Douda Correria





Epitafio de domingo

Si yo desapareciera hoy

Y hablo incluso de mi cuerpo aquí muy sentado

escribiendo desde la punta de la lengua a la legua más distante

de mi vida,

di que he comprendido.



Di que sé que nada está donde es seguro estar

Que el amor súbito es la escalera al entendimiento

Di que fui aire azul sobre campos de sequedad

Carretera recta al infinito, entre olivares,

un accidente a lo lejos

Que probé toda la sed cuando engullí a los hombres

Que quemé alegremente en el ácido de las palabras

Que caí de rebote para que me vieran

Y cuando me vieron me levanté siendo animal.



Di que me viste desnuda, siempre

Que corrí por hospicios con los ojos cerrados

y la boca al revés

Que viví más en lo alto que en el mundo plano

y fui honesta en mi próxima locura.



Di que nunca olvidé la subida a un arce

Que nadie vivió en mi lugar, ni yo en el de nadie

Que fui, sí, el halo frío que llené con esta pena

por mi ausencia

Y que todo lo que dije fue con silencio.



Di que sé, sobre todo, que ardimos juntos como ventosas,

aunque no quieras

Que tu cuerpo me sirvió para andar con las piernas asmáticas

Que te agradezco haberte ofrecido lirios

Que me redujiste la náusea de la especie

Di que yo, que fui yo.



Guárdame este secreto que tengo amplio bajo mis cabellos:

¿qué tanto en mí fui que no viví

y qué tanto en ti es que fui yo?



Pero no te preocupes, no desaparezco hoy

Cuando me conociste yo no existía ya,

y tú sabes

que esas saudades que vas teniendo

son las mías.




© 2018. traducción: Mario Morales. Revista Luvina.